ACONTECEU NO MOSTEIRO
Muito já se falou sobre a incrível fauna que se reunia para morar numa República de estudantes, e as repúblicas de Piracicaba na década de 60 não eram exceção, em especial o Mosteiro. Havia colegas de todo tipo : estudiosos, relaxados, calmos, nervosos, organizados, bagunceiros. E cada um, dentro de suas características, foi protagonista de casos e histórias que dariam para encher um livro.
Como o caso do Béstia, cuja hipocondria era digna de nota. Certo dia na hora do almoço, ele não apareceu para comer, o que chamou a atenção da turma, pois ele havia já chegado da escola. Depois de rápida busca, ao chegar à porta do quarto que o Béstia dividia com o Stampo, ouviram-se murmúrios, um casal conversava atrás da porta fechada. Será que ele estava tendo intimidades com alguma menina em pleno horário de almoço? Só arrombando a porta para ver. Porta aberta, a surpresa : Béstia realmente estava com uma garota, a Ivone, e o animado papo era sobre "pedras na vesícula" ! É que a mãe da Ivone havia falecido há alguns meses, e a causa, segundo os médicos, havia sido uma complicação provocada por grande numero de cálculos na vesícula biliar, problema que o Béstia, em sua hipocondria, acreditava também ter. E ficaram os dois, Béstia e Ivone ainda por um bom tempo a comparar radiografias e laudos médicos, a ver se o risco de vida era iminente.
Um certo dia o Béstia abordou o Macalé e lhe perguntou por qual motivo ele andava meio torto, caído para o lado esquerdo. Incontinenti Macalé respondeu :"Tenho cascalho no baço". Não se passou uma semana e lá veio a novidade : "Macalé, acho que também tenho cascalho no baço, sinto uma dorzinha e estive reparando, sou meio caído para o lado também". Mas a suprema felicidade para o Béstia veio numa sexta feira à tardinha, quando ele chegou ao Mosteiro apressado e excitadíssimo : havia finalmente conseguido que um médico o internasse por uns dois dias, teria que dar entrada no hospital até as 19:30, assim teria garantido um fim de semana internado. Qual a causa da internação? Nem ele nem o médico sabiam direito...
Zé Prefeito e Turco Fuad foi uma dupla de moradores do Mosteiro que protagonizou cenas incríveis. O primeiro, eterno "caixa" da república, organizadíssimo, estudioso, articulado, politizado, candidato a presidente do Centro Acadêmico Luiz de Queiroz, um bom rapaz. O Turco, excelente pessoa, coração do tamanho do mundo, mas o oposto do Zé Prefeito : desorganizado, pouco assíduo às aulas, boêmio, preguiçoso, sem muita noção de propriedade. Assim como qualquer um podia entrar em seu quarto (que nem tinha porta) e usar suas roupas ou material de escola, ele usava tudo dos outros : cuecas de um, chinelo de outro, caneta de quem facilitasse, até escova de dentes ele pedia emprestado.
Num domingo o Turco resolveu pregar uma peça no Zé Prefeito, que havia viajado e só chegaria tarde da noite. Arrombou o enorme cadeado que o Zé tinha colocado na porta de seu quarto e entrou. Com um martelo e uma chave de fendas tirou o tampo da escrivaninha do Zé, com muito cuidado. Com as gavetas expostas ele não tirou nada, apenas trocou coisas de lugar : caderno daqui prá lá, canetas e régua de lá prá cá. Dinheiro de cima para baixo, cadernetinha de baixo para cima. Tudo trocado, tampo repregado, cadeado recolocado fingindo estar trancado, o Turco sumiu. Mais de meia noite a república em silêncio aguardava a reação do Zé Prefeito ao chegar. Ao ver o cadeado arrebentado já veio a primeira exclamação, num grito :
- Turco f.d.p., o que você veio roubar no meu quarto?
Em seguida silêncio : guarda roupas checado, em ordem. Sapatos e chinelo, no lugar. Travesseiro, pijama e roupa de cama, tudo certo. Na escrivaninha as gavetas trancadas não davam sinal de nada, mas quando foram abertas, nova exclamação :
- Turco f.d.p., cadê o dinheiro da república? Ué...tá aqui debaixo...Ele não roubou nada...
E passou o resto da noite tentando entender o acontecido enquanto o Turco Fuad e o Bidú, seu colega de quarto, pulavam a janela e iam pra Rua do Porto dar risada à vontade.
Marcio Joao Scaléa (Pinduca F68) é Engenheiro Agrônomo ex morador da Republica Mosteiro
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção aberta à manifestação de esalqueanos são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ
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